Contra todas as expectativas, a selecção feminina de futebol empatou, na última sexta-feira, a um golo, diante do Senegal, para a 1ª mão da primeira eliminatória de acesso ao CAN 2024, a ser disputado em Marrocos.
Artigo de Opinião de João Chivale
A notícia teve um impacto notável, se atendermos que o Senegal é o 11º país africano melhor cotado no Ranking da FIFA (81º, ao nível mundial), de acordo com a actualização de Julho deste ano. O país foi, juntamente com Camarões, um dos representantes de África no play-off de apuramento ao Mundial de futebol feminino.
O empate encheu de esperanças, aos vários sectores do desporto moçambicano que, começavam a vaticinar a qualificação de Moçambique, para a eliminatória seguinte. Uma expectativa que foi abalada, quando ficou-se a saber que o jogo da 2ª mão seria disputado, tal como o primeiro, na cidade de Thiès, no Senegal. O coro de críticas não tardou. Incrédulos, os moçambicanos queriam perceber por que razão o jogo de Moçambique seria realizado na casa do seu adversário.
Entretanto, a Federação Moçambicana de Futebol veio a público justificar-se. Numa nota de imprensa, tornado pública no sábado (23.09.2023), o organismo reitor do futebol moçambicano disse ter negociado com a sua contraparte senegalesa, a realização do jogo, na 3ª maior cidade senegalesa, supostamente, para salvaguardar o estado do piso do Estádio Nacional do Zimpeto. Disse, a FMF, que o piso do Zimpeto foi sobrecarregado pelos recentes 4 jogos realizados naquele local (1 dos Mambas, 2 Afrotaças e 1 do Moçambola), num espaço de 8 dias.
Não deixa de ser interessante, o facto de o recinto ter acolhido, apenas, 7 jogos ao longo dos 9 meses que o ano já percorreu.
MARCAÇÃO DE JOGOS CAF
Até onde sei, os jogos CAF são marcados com antecedência de 30 dias, no mínimo. Vale com isso dizer que o jogo Moçambique vs. Senegal, agendado para segunda-feira (25.09.2023), há-de ter sido marcado, na pior das hipóteses, a 25.08.2023 (um mês antes da sua realização).
Sucede porém que, na nota de imprensa, que me referi acima, a FMF disse ter tomado a decisão de negociar com a sua contraparte senegalesa, a realização do jogo da 2ª mão em Thiès, depois do dia 17.09.2023 (dia em que realizou-se o último jogo naquele recinto - UD Songo vs. Petro de Luanda, da Liga dos Campeões da CAF). Admitindo que tais negociações terão iniciado depois desse jogo, em função dos relatório do comissário da CAF, estamos a dizer que o acordo há-de ter sido alçando, em teoria, depois do dia 17.09.2023, ou seja, menos de 8 dias antes da realização do jogo, o que me parece manifestamente, impossível, a CAF ter aceite a mudança do local do jogo, num espaço de 8 dias. Até porque, o Senegal, nesse caso, já teria pago a logística para a realização do jogo, em Moçambique.
REQUISITOS PARA A REALIZAÇÃO DOS JOGOS DAS ELIMINATÓRIAS PARA O CAN FEMININO
Não domino os requisitos mínimos que a CAF determinou para que um campo pudesse acolher jogos da janela de apuramento ao CAN 2024, em femininos, mas um exercício de análise à alguns países, tomando como base jogos das suas selecções, de apuramento ao CAN masculino e jogos de clubes, em provas da CAF, jogados há uma semana, pode ajudar-nos a tirar certas conclusões.
A selecção masculina de Eswatini, por exemplo, fez os seus jogos de apuramento ao CAN 2023, na África do Sul, por não ter um estádio em condições para acolher jogos de tal dimensão, de acordo com os requisitos da CAF. Esta analogia é, também, feita ao campeão daquele país que teve de fazer o seu jogo da Liga dos Campeões da CAF, no Estádio do Zimpeto, pelas mesmas razões.
Mas a sua selecção feminina de Eswatini, recebeu, na quarta-feira passada, o Burquina Fasso, no Estádio Nacional Somhlolo, em Lobamba, uma das capitais do Reino de Eswatini.
É válido, também, ver o caso de Uganda. Nos últimos dois jogos da fase de apuramento para o CAN 2023, em masculinos, os ugandenses jogaram fora do seu território (no Egipto e Camarões).
Entretanto, a sua selecção feminina recebeu a Argélia, nas eliminatórias de acesso CAN 2024, no Centro Técnico da Federação Ugandesa de Futebol, localizado na cidade de Njeru. O campo, de relva sintética, tem capacidade para acolher, apenas, 1000 espectadores - vide imagens, abaixo.
Vistas as coisas deste prisma, olhando para os campos existentes em Moçambique, não me parece que a CAF não aprovasse a realização do jogo em recintos como os campos da ABB, do Ferroviário da Beira, do Ferroviário de Nampula, ou mesmo os mais recentemente inaugurados campos municipais de Marien Ngouabi e Maxixe.
Portanto, parece falacioso o argumento de que, só se podia jogar no Zimpeto, para esta prova.
A FMF terá de encontrar outros argumentos para explicar a "negociata" feita com a Federação Senegalesa de Futebol.
MEU PONTO DE VISTA
O meu ponto de vista começa a ser desenhado a partir de uma das passagens da nota de imprensa da FMF, de 23.09.23, quando se refere que, e passo a citar “para não correr riscos de ver interdita a realização, em Novembro próximo, do jogo Moçambique – Argélia da segunda jornada da fase de grupo de qualificação para o “Mundial” dos EUA/Canadá, a FMF decidiu negociar com a Federação Senegalesa de Futebol a disputa da segunda “mão” do apuramento feminino, entre as selecções dos dois países, em Dakar.”
Primeiro - A FMF nem sequer se dá ao tempo de ser rigorosa, ao referir-se à realização do jogo em Dakar (capital do Senegal), no lugar de Thiès.
Segundo - A FMF dá sinais de não ter o CAN Feminino como objectivo alcançável, ao entregar de bandeja os dois jogos ao Senegal.
Terceiro - A FMF mostra não estar clara quanto à sua estratégia para o futebol feminino. É que, há dois meses, a entidade máxima do futebol moçambicano lançou a chamada “LEAGUE DEVELOPMENT”, no quadro do programa da FIFA de desenvolvimento e crescimento do futebol feminino, à escala global. No quadro desse programa, a FMF recebe, anualmente, da FIFA, $500 Mil (Quinhentos Mil Dólares Americanos). Mas, em contraponto, parece mostrar pouco interesse em ver o futebol feminino crescer.
Quarto - A FMF parece não estar atenta aos resultados recentes do futebol feminino, quer ao nível de clubes, como ao nível de selecções. É recente o terceiro lugar alcançado pelo Costa do Sol, na fase de apuramento para a Liga dos Campeões da CAF, em femininos, pela região da COSAFA (venceu, na partida de disputa do bronze, ao campeão regional do ano passado, o Green Buffaloes da Zâmbia). No ano passado, as “canarinhas” não tinham passado da fase de grupos da prova da COSAFA.
A selecção feminina não perdeu qualquer jogo no Torneio da COSAFA, no ano passado (venceu as Maurícias, por 5-0 e empatou com Angola e África do Sul). Só não seguiu para as meias-finais, porque ficou atrás dos segundos classificados dos outros dois grupos. No ano anterior, já tinha dado bons sinais na prova (o empate com Angola, 2-2 e a derrota com Malawi, 3-2, mostraram haver qualidade na equipa - a esteve a vencer os dois jogos - mas alguns detalhes ditaram tais resultados negativos).
Hoje, na Selecção de Moçambique, militam jogadoras que evoluem fora do país. São os casos de Lúcia Moçambique, que actua no B93 Copenhagen da Dinamarca e Cidália Cuta, jogadora do Yanga Princess da Tanzânia.
Perante esse cenário, no meu ponto de vista, a FMF não só não acreditava que a selecção feminina pudesse pôr em causa o Senegal, como me parece que não queria/quer ver a equipa continuar em prova. O certo é que o empate de sexta-feira deixou a FMF numa "saia justa".
Aguardemos pelo jogo de amanhã (25.09.2023) e já agora, boa sorte Luís Fumo e suas atletas. Eu e muitos moçambicanos estamos convosco.